Reflexões de um “Rabo de Turma”
Prezados Amigos Militares
Sou Aspirante a Oficial da turma Marechal Mascarenhas de Moraes, formada
na AMAN no ano de 1972. Fui o 82º colocado em uma turma de 116 oficiais
da Arma de Infantaria, o que me torna, no jargão militar, um (perdoem o
termo chulo) “rabo de turma”, denominação usada no meio castrense para
aqueles que se encontram no ultimo quarto de sua turma de formação. As
idas para o Rio de Janeiro, infelizmente, sempre sobrepujaram a minha
vontade de estudar. Assim, mercê de meu destino de apedeuta juramentado
(rotulado já na década de 70), como diria o saudoso Odorico Paraguaçu,
sinto-me muito à vontade para escrever essas linhas. Caso alguém
concorde, será lucro. Caso discordem, poderão dizer: “ah, também, não se
poderia esperar nada alem disso de um rabo de turma”!
Creio que ninguém no nosso meio irá discordar que nós, militares,
estamos um uma situação muito inferior em todos os aspectos às demais
carreiras de Estado, incluídos aí os funcionários de órgãos criados
pelos próprios governos militares, como a Policia Federal, por exemplo
ou, até mesmo, a vetusta Policia Rodoviária Federal. As Forças estão
sucateadas com viaturas velhas, embarcações obsoletas, aeronaves sem
manutenção adequada, salários arrochados e, em função dessas mazelas, as
vocações anestesiadas. Qual o aluno brilhante de um dos nossos Colégios
Militares quer, nos dias de hoje, deseja seguir a carreira das Armas?
Poucos, muito poucos, posso afirmar.
Nos anos de 1994 e 1995 servi na DFA (Diretoria de Formação e
Aperfeiçoamento) e, já naquela época, constatei alguns fatos no mínimo
preocupantes. Exemplo: a Arma mais procurada na escolha era (ou ainda é,
não saberia afirmar agora, após 13 anos de reserva) a Intendência. Não
tenho absolutamente nada contra a Rainha de Logística, que realiza
trabalho absolutamente edificante, mas entendo que, em principio, seria
mais normal para um jovem que procura a carreira militar, escolher uma
Arma combatente, por sua característica mais guerreira. Fui investigar
por conta própria e, com a ajuda de alguns amigos, verifiquei que aquela
escolha devia-se ao fato de os jovens cadetes identificarem na
Intendência a Arma que lhes daria melhores condições para ocupar cargos
no meio civil (?) ou maiores chances em concursos públicos. Mas, e a
carreira militar? Ah, essa, em grande parte, seria apenas o primeiro
degrau para outra caminhada.
Fui verificar, então, que os cursinhos preparatórios para tais concursos
estão apinhados de militares de todos os postos e graduações
(especialmente os oficiais subalternos e intermediários e os sargentos
mais modernos) e de todas as Forças (Marinha, Exército e Aeronáutica). A
Academia de Concursos na Cinelândia, no Rio de Janeiro, em suas turmas
noturnas, é um exemplo. Quem quiser confira.
E, afinal, qual a (s) explicação (ões) para tudo isso? Vou arriscar,
como “rabo de turma”, elencar algumas poucas. Os jovens militares não
vêem boas perspectivas financeiras para o futuro, não enxergam líderes
incontestes (peço mil perdões aos meus amigos Generais) e, de quebra,
sentem em alguns casos que correm o risco de, ainda no meio da carreira,
mesmo se esforçando, ficarem relegados a segundo plano.
No Exército, por exemplo, caso um jovem major não logre êxito em
ingressar logo na ECEME (Escola de Comando e Estado Maior), será
obrigado a levar sucessivas “caronas” (ser ultrapassado na promoção por
oficiais mais modernos) daqueles que possuem o curso. Um eventual
insucesso irá tirar o seu “élan” no meio da carreira. Por que essa
odiosa diferença entre QEMAS e “mangas lisas”, denominação jocosa que
denigre tantos jovens brilhantes? Por que não cursarem todos, como na
Aeronáutica, onde basta um requerimento? Cabe observar que o concurso em
questão, salvo melhor juízo, avalia principalmente os oficiais que
redigem bem e possuem bom poder de síntese.
Cito meu exemplo, que, como “rabo de turma”, passei no primeiro
concurso, enquanto o primeiro da minha turma de Comunicações fez três
concursos e não passou e o segundo da minha turma de Artilharia, que
ficou reprovado em um e se recusou a prestar sequer um segundo. Isso,
para ficar em apenas dois exemplos ocorridos com militares brilhantes.
Poderia citar centenas de outros. Creio que, se Napoleão Bonaparte
ressuscitasse no Brasil, teria certa dificuldade em ser aprovado na
ECEME, haja vista que o pequeno Corso reconhecidamente não era pródigo
nas letras. Era, pura e simplesmente, um gênio militar. Bem, no nosso
Exército ele, provavelmente, permaneceria como cabo de Artilharia.
A essa altura, todos já devem estar entediados com tanta prolixidade e
se perguntando: aonde ele quer chegar? E, agora, vou entrar na parte
mais polêmica, que é externar a principal razão de nossas angústias.
NÓS, MILITARES, ESTAMOS ASSIM, PRINCIPALMENTE, PORQUE SOMOS EXTREMAMENTE
DESUNIDOS. Alguns falarão: “poxa, Saint-Clair, você esta pegando pesado
demais. O que é isso, companheiro?” E eu vou explicar porque vejo as
coisas dessa maneira.
Após ir para a reserva, fui trabalhar na área de segurança no meio
civil. Meu tempo na Policia do Exército e os cursos que tive
oportunidade de realizar nessa área me proporcionaram essa oportunidade.
Mercê dessas tarefas, lido diuturnamente com policiais civis, militares
e federais. Todos, dentro de suas respectivas Forças, são extremamente
corporativos (para o bem e, infelizmente, algumas vezes para o mal).
Possuem, ainda, significativa representação parlamentar e sindicatos
fortes, que lutam com vigor e sucesso em prol de suas agremiações.
E nós? Ah, não podemos ter sindicatos, é verdade! Todavia, sempre que
temos oportunidade de obter algum êxito, jogamos pela janela. Vou, mais
uma vez, exemplificar. Em 2006 tivemos a eleição para a Presidência do
Clube Militar do Rio de Janeiro, de longe a maior e mais forte
agremiação de nosso meio. Tínhamos dois candidatos: o General de
Exército R/1 Gilberto Figueiredo e o General de Brigada R/1 Paulo Assis.
O primeiro, com sua chapa “Consolidar e Modernizar” tinha como
principal objetivo revigorar o quadro do clube mediante a captação de
novos sócios, motivando os recém formados na AMAN para ingresso no
clube. Declarou na época: “em cada 500 Aspirantes que se formarem, se
conseguirmos 60 será um bom percentual”. Nada tenho contra o General
Figueiredo, mas, isso é um objetivo ambicioso? Tentar aumentar um pouco o
quadro social?
Em contrapartida, o General Paulo Assis, com sua chapa, tinha, entre
muitos objetivos, os seguintes: “participar do processo político em
defesa dos valores éticos e morais, concitando a sociedade brasileira a
expurgar do cenário político indivíduos envolvidos em crimes contra
estes valores”, “afirmar que a solução da crise brasileira encontra-se
no caminho do exercício do sistema democrático da escolha pelo voto” e
outros objetivos semelhantes.
Como o estatuto do Clube Militar veta o proselitismo político aberto, o
General entendeu que não deveria ser muito explicito em certos aspectos.
Mas, como a oportunidade já passou, posso revelar. A idéia era que
fossem reunidos todos os clubes e círculos militares de oficiais e de
subtenentes e sargentos do Brasil para que, juntos, indicássemos um
representante comum em cada Estado da Federação (metade graduados e
metade oficiais) e fizéssemos uma bancada com 27 Deputados Federais. Aí,
teríamos uma força imensa no Congresso, com uma das maiores bancadas.
Teríamos votos de sobra para tal, apenas com as famílias dos militares.
Os objetivos eram tão elevados que o General Paulo Assis obteve o apoio
dos Grupos Ternuma, Inconfidência, Emboabas, ANMFA e outros. Cabe
acrescer que esse Estatuto do Clube é uma balela, pois todos tem
conhecimento que a República e as Revoluções de 1922, 1924, 1930 e 1964
foram planejadas dentro do mesmo.
Aí, começaram as manobras políticas sujas, que incluíram a divulgação de
uma declaração que o Paulo Assis deu de forma brincalhona na Brigada
Pára-quedista quando falou que “PQD vota em PQD” e que foi divulgada por
um PQD da outra chapa como uma ofensa a todos os pés-pretos.
Após todos esses acontecimentos e calúnias, a chapa de Paulo Assis foi
derrotada por uma diferença mínima: 1998 votos para o General Figueiredo
contra 1884 para o General Paulo Assis. Por curiosidade perguntei a
alguns coronéis e generais indecisos em quem iriam votar e a imensa
maioria declarou que votaria no General Figueiredo por ELE SER QUATRO
ESTRELAS! A antiguidade, para alguns de nossos companheiros, parece ser
mais importante que os nossos destinos a aspirações. E assim, por meros
114 votos em um colégio eleitoral de 11.500 associados, podemos dizer,
como na música do João Nogueira, “foi mais um sonho que ficou para
trás”.
Então, resta-nos seguir com essa vidinha de sempre, recebendo
eventualmente um editorial da revista (que ninguém lê) do Clube tecendo
algumas críticas ao governo, ver alguns dos nossos chefes lutarem por
seu quinhão (vide José Albuquerque como Conselheiro da Petrobrás) e os
libelos dos grupos acima descritos, que tem o efeito de um rato que
ruge. Vamos nos contentar com o Bolsonaro vociferando sozinho para uma
platéia de deputados desinteressados e abúlicos e fazer de conta que
acreditamos que as coisas vão melhorar... que pena!
Agora cresce um movimento em torno de General Heleno, meu velho amigo do
Tijuca Tênis Clube e, de longe, a maior liderança atual de Exército,
para que o mesmo seja candidato a Presidente. É um delírio total. Será
que, pelo menos o nosso estimado, genial e respeitado General Heleno não
poderia tentar ser o próximo Presidente do Clube Militar para tentar
viabilizar o que o General Paulo Assis tentou? Não sei. Afinal, sou
apenas um “rabo de turma”.
Abraços a todos.
Saint-Clair Peixoto Paes Leme Neto – Tenente Coronel Inf QEMA
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