segunda-feira, 27 de agosto de 2012

EGOS E ALTEREGOS, OU CHEGA DE INTERMEDIÁRIOS...

   Associo-me parcialmente à apreciação do nobre Pinpin envolvendo a já polêmica novela global, sobre pano de fundo do Exército e da Cavalaria. Acrescentaria que o sereno, oportuno e esclarecedor discurso do Sr B. do Milênio alinha-se na melhor tradição de alteregos dinásticos Bac, da qual a extração São Jorge derrapou nas carrapetas de modo nunca dantes registrado na história do egrégio Esquadrão. Atribuo o deslize a certos mecanismos ocultos da natureza humana, diabinhos adormecidos vez ou outra despertos, a nos infligir o exotismo de comportamentos alheados de nossas personalidades e daquilo que na verdade somos.
   Qual de nós, com sinceridade modelar, assegura estar infenso de fato aos desvãos traiçoeiros da própria psique, mesmo na idade provecta que célere se aproxima para a Nação72? Quem não carrega algum pequeno desatino cometido ao longo da vida,  algum desejo inconfessável abrigado a sete chaves no inconsciente, ou pensamento censurável assustadoramente replicado na mente? Daqui lanço o repto, e recorrendo ao processo catártico deflagrado pelo insigne confrade Boita nas animadas tertúlias mensais do CMPV, revelarei segredo pessoal há mais de trinta anos só compartilhado junto a queridíssimo irmão de Arma, de quem preservarei o anonimato e ao qual rogo perdão antecipado pelo rompimento público de autêntico pacto de honra assumido.
   Corria o ano de 1978. Solteiro convicto, instrutor do CPOR-RJ, à época bem remunerado, noites invariavelmente livres para desfrutar a sedutora urbe carioca de então, quedei ante o dilema proustiano da busca do tempo perdido. Era o início de uma breve saga capaz de conduzir-me a vôos impensáveis, transportado nas asas do puro surrealismo: resolvi estudar para o concurso do IME. Sim, o Instituto Militar de Engenharia, a veneranda casa das ciências exatas no EB, onde minhas escassas aptidões poderiam em hipótese otimista catapultar-me ao patamar superior de cabo-da-guarda permanente da imponente edificação da Praia Vermelha, sede do Instituto. Enfim, decisão tomada, matriculei-me em horário noturno na filial Castelo do prestigiado Curso Bahiense, lá comparecendo para o batente embalado nos anseios e expectativas dignas de pré-vestibulando entusiasmado.      
   Primeiro dia de aula. Em meio ao burburinho inaugural dos alunos no saguão do Curso, alguns deles já conhecidos entre si de longa data, comecei a pressentir-me desajustado diante daquelas circunstâncias inéditas, verdadeiro estranho no ninho, pois o perfil dos novos colegas longe se assemelhava ao deste narrador. Mais jovens na esmagadora maioria, suas aparências não desmereciam a realidade logo comprovada de serem rematados cedeefes, nerds, gagás ou adjetivações similares. Alea jacta est, pensei, remexendo o baú dos meus parcos conhecimentos de História; alma cavalariana heróica e forte, para a frente, para a glória, para a morte, seja o que Deus quiser, recuar... jamais!!! Prenhe de coragem kamikaze, decidi permanecer e enfrentar a toca de  leões do Cálculo Infinitesimal, da Física pré-quântica, da Química pós-orgânica, das intrincadas derivações matemáticas e quejandos.  
   Primeiro tempo de aula findo, a custo inaudito esforçava-me por manter alguma dignidade interior, laivos de alento que me impeliriam a continuar fustigando os inamovíveis dragões de crassa incapacitação intelectual própria. Quem sabe, imaginara no fundo da sala, pudesse eu vir a ser contemplado por especial insight divinal a  consagrar-me  expoente da Engenharia Militar? Sem dúvida, possibilidade remotíssima, ao menos nesta encarnação, porém factível ao pensamento mágico do jovem tenente da Arma Ligeira, sonhador, ávido pela glória de feitos épicos inerentes aos missionários das lanças cruzadas. Absorto em conjecturas absurdamente irreais, curti o intervalo e ret ornei para o segundo tempo.
   Aula reiniciada havia poucos segundos, adentra o recinto, pela porta principal, personagem singular, num rompante inesquecível que guardarei na retina até o final dos tempos. Quando o vi, naquele átimo, acreditei piamente em duendes, nas crendices populares das culturas regionais e universais, nos dogmatismos religiosos, na metafísica, nas manifestações da espiritualidade, no devir filosófico, nos arroubos invisíveis do destino, no silêncio do Boca e em quaisquer outras explicações implausíveis à razão. A aura de sua presença equiparava-se à do Messias redivivo nas dependências do Bahiense Castelo. Aleluia, hosana, rá, hurrah, evoé, salve, valeu, acho ter bradado  algumas ou enfileirado estas saudaçõ es em sequência, tamanho era o sentimento misto de surpresa, estupefação e alegria de que fui acometido ao constatar a proximidade do colega inesperado, um irmão cavalariano da Turma, sábio, filosófico, cultor da alta equitação, estudioso dos blindados, líder carismático, destemido, amigo exemplar, escritor ilustrado, pensador aguçado, enciclopedista admirado, personalidade sem jaça. Na essência, viajante cósmico de peculiar envergadura, também aspirante ao IME.
   Se enorme foi meu sobressalto, inenarrável decerto seria o do companheiro fraterno ao reconhecer-me naquele local. Embora sobretudo movidos pelo estimulante desafio de superar determinadas dificuldades funcionais, eu no CPOR, ele em curso de especialização há pouco iniciado, nossas perspectivas de sucesso num possível concurso eram diametralmente opostas, dada a abissal diferença intelectual entre nós. Mal comparando, diria possuir o meu amigo neurônios padrão quatro estrelas, restando a mim o beneplácito sináptico de cabo das baias. Reatamos contato interrompido desde o Aspirantado, e a cada noite encarávamos o cipoal de fórmulas matemáticas apresentado nas aulas como se fosse muro de pedra de dois metros de altura e cinco de frente a ser ultrapa ssado numa carrière, ele montado num cavalo puro-sangue, eu num pangaré recém liberto da Seção Veterinária.
   Autênticos velhos camaradas, tal qual os versos do Cordeirinho, vasto era o nosso rol de interesses abordados no Curso. Logo nos primeiros dias o meu interlocutor, a quem denominarei DS, expôs argumento até então imperceptível à minha proverbial ausência de perspicácia. Ponderava o amigo que nossa pretensão de matrícula no IME e a frequência ao Bahiense deveriam ser sigilosas, pois se difundidas no EB nos acarretariam o anátema de tenentes relapsos perante as atribuições da Arma, principalmente para ele na condição de aluno em fase de especialização, extremamente  dependente de rigorosas avaliações de conduta, expressas no fantasma do conceito vertical. Compreendi a preocupação e ali selamos o compr omisso de segredo tumular sobre nossas intenções estudantis e os preparativos noturnos no Curso. Tive sobrevida de uns três meses nas aulas, ele um pouco mais, e doravante jamais alguém se referiu à nossa exótica e tímida pretensão de ingresso no IME, em clara comprovação de sucesso do pacto de sigilo firmado. Ali, inexorável, findava o nascituro Dom Obá QEM, alterego idealizado cuja existência não se consumou.
     Reafirmo minhas escusas ao antigo colega do Bahiense, que certamente entenderá as razões da revelação do nosso pacto, contextualizada no debate provocado pelas fanfarronices do arrivista Bac do São Jorge, ao qual desferi pontapé intencional nas partes baixas, profundamente indignado com o seu adesismo aos poderosos de plantão; suponho ter acusado o golpe e permanecer fora de combate, pois recorreu aos préstimos de outro alterego da sua dinastia, Bac do Milênio, para desdizer-se e tentar justificar o vão palavrório originalmente postado na rede da TuMMM.       
   Incluí Bac do São Jorge na subcategoria dos trânsfugas existenciais, pois flagrado em falta grave escafedeu-se a buscar apoio no próprio chefe do clã, Dom Bernardes, de quem deriva a renomada família de alteregos Bac. O estilo irrepreensível, a lógica e o descortino da argumentação, em contraponto ao meu brado lancinante valorizado pelas intervenções de confrades ilustres, denunciam a pena inconfundível de Dom Bernardes, cuja inteligência e pureza d’alma não são passíveis de questionamentos. E neste ponto discordo do Prez Pinpin, quando ironiza o talento literário de Bac do Milênio, sob a atenuante de que não deve ter percebido a intervenção pressurosa de Dom Bernardes, para minorar os estragos causados pelas lamentáveis demonstrações de jactância proporcionadas pelo tal B. do São Jorge na mensagem inicial da polêmica virtual.    
   Malgrado o elogiável tom elucidativo de Bac do Milênio, leia-se Dom Bernardes, parece consensual que a anunciada novela oferece mais riscos do que vantagens à imagem institucional da Força, entre diferentes motivos devido ao fato de ser uma “obra aberta”, ao bel prazer da autora, e à longuíssima duração, superior a duzentos capítulos.  Valho-me da observação magistral do Barão de Vargem Grande, em caso de IBOPE rastejante, para apimentar o folhetim e alavancar a assistência televisiva, ávida por vulgaridades de impacto: o capitão Cav Theo assumir a paixão pelo cabo Simão, num afetuoso beijo lingual ao vivo e a cores em rede nacional.   
   De tudo, há o consolo da ação meritória de Bac do Milênio, alerta e atento para impedir, ou amenizar, exageros letais ao EB e ao Esquadrão imortal.  Vamos torcer, vamos cobrar...
   Ao concluir, externo duas sugestões a inquietar-me nesta manhã comemorativa do Dia do Soldado, quando nossos corações em festa revitalizam-se nas recordações de uma vida forjada na grandeza de ideal apenas dimensionado na alma dos homens e mulheres realmente vocacionados para a carreira das armas.
  A exemplo do embrionário Dom Obá QEM, seja o alterego Bac do São Jorge remetido sem volta ao lixão da história. Sua aparição relâmpago não suscitará saudade ou manifestações lacrimosas, à exceção talvez da autora da novela.
   Alfim, considerada a inteligência, o talento multidisciplinar, a verve, o perfil escorreito e a integridade do personagem, estou a enviar neste momento à presidência da TV Globo proposta no sentido de substituição do atual diretor-geral de novelas da emissora. A referida proposta sugere assumir o cargo nosso confrade Bac do Milênio, e  se intitula: CHEGA DE INTERMEDIÁRIOS...   
Rio, 25 de agosto de 2012
Dom Obá III, politicamente incorreto e sinceramente correto.com

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