sexta-feira, 27 de junho de 2014

NOSSA VIDA DE CADETE


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 No fim dos anos sessenta na AMAN chegamos ressabiados
 Deslumbrados com tanta beleza, mas também encagaçados
 Extasiados com o luxo de mármore que nos foi apresentado
 E receosos com os tais trotes que tanto nos foi avisado
 Começamos logo fazendo a famosa “marcha do saco”
Do parque à ala no pulo de galo o que já me deu lumbago
 Vindo do meio civil e sem ter uma grande preparação
 Doía-me todo o corpo, da primeira fibra ao último tendão
 O período de adaptação foi um pesadelo que não terminava
 E a cada dia que se passava uma meia dúzia aloprava – e vazava
 Os “frangos” não refrescavam, era um concurso escroto
Para ver quem mais alto berrava nos lançando perdigoto
 Os tenentes falavam “mata” e os capitães “esfola”
 Uns pisavam em nossas cabeças outros nos chutavam as bolas
 Era uma turma de tenentes pra ninguém botar defeito
 Nos sugavam sem ter pena até nos estourar o peito
Seixas Marques, Carvalho Lopes, Araújo, Consentino
 E de quebra Almeida e Silva, Sá Rocha e Cupertino
 Ah! E nossos capitães? De tudo, isso era o mais divino
 Mário “mico”, “Cheira-Bosta”, “Orangofrango” e “Patolino”
 Eram oficiais exigentes, mas que ficaram em nossa memória
 Como militares de escol, que davam exemplos de glória
 No ensino universitário também tínhamos nossos algozes
 Buzato, Guerra e Moutinho eram as figuras mais ferozes
 Pra ter boa média em física um era um negócio dantesco
 Havia necessidade de com Isaac Newton ter parentesco
 No laboratório de física era muito pior a confusão
 Pra gravar as experiências babacas tinha-se que ter culhão
 Em nossas aulas de química de depois do almoço – que torpor
 O baixinho velho Bahiense nos fazia no piso marchar – que horror
E assim seguia a vida dos todos nós, bichos abnegados
 Sempre com certo mau cheiro, pois estávamos sempre “mijados”
 E quando vinha a SIEsp aí que o jangal era de muito mais trabalho
 Todos nós entrando com nossos cus numa festa só de caralho
Era fome, sede, frio, todo sofrimento era pouco
 Tinha cara que surtava e ficava muito louco
 Plano inclinado, “matéria-prima de lama, banho gelado de madrugada
 Era só pica grossa voando e a gente sem direito a nada
 Na ala também não tínhamos um momento de descontração
 Bastava acabar a revista e os veteranos invadiam de roldão
 Os “banhespes” da Intendência eram um negócio danado
 Mas pior era ir pras Com para ser eletrocutado
 Finalmente chega o Espadim, que julgávamos ser nossa alforria
 Que nada, logo descobrimos serem os mesmos nossos dias
 Mas havia a diversão com os nossos fiéis companheiros
 Que faziam o tempo passar com seu humor – fino ou grosseiro
 Logo no primeiro toque do clarim em nossas alvoradas
 Escutávamos o barulho da mesa sendo marretada
 Era nosso parceiro Guerreiro com sua “bengala” avantajada
 Usando-o como porrete na mesa e gritando: “acorda, putada!!!”
 Oh, que época abençoada que lembro e bate a emoção
 Cada um de nós na alvorada acordava com uma forte ereção!
 Lembro o notório “Boitatá” gaúcho de Passo Fundo
 Que depois das “Sete Famílias” gostava de ficar imundo
“Esse negócio de banho é coisa de mariquinha”, ele falava
 E quando abria seu armário um odor de cadáver exalava
 Nas poucas horas livres praticávamos atividades culturais
 Como os nomes de personagens em quadrinhos ver quem sabia mais
 Eu derrotando a todos e da vitória estava quase certo
 Mas, perdi a grande final para o meu amigo Bueno Neto
 Mas o esporte preferido de todos – vamos abandonar o cinismo
 Era sempre o mais solitário – chamado na medicina de onanismo
 Se na AMAN a punheta fizesse barulho, apitasse ou algo assim
 Certamente que tal som seria ouvido até em Pequim
 Eu, pelo menos, confesso: se ganhasse 10 reais por cada uma que fiz (em mim, esclareço)
 Certamente que eu teria hoje um bom apartamento em Paris
 Quem diz que nunca na AMAN “descabelou o palhaço”
 É porque não tem coragem de assumir – é o que acho
 Ou então não era chegado numa vulva bem molhada
 E acabou sendo desligado porque era bainha de espada
 Eu e Baciuk esperávamos o “MacaMendes” pegar a playboy
 Escondida toscamente dentro da revista de cowboy
 E ao banheiro se dirigir para a sua bronha tocar
 Enchíamos o capacete e íamos lhe banhar
 Depois era sebo nas canelas porque o Mendes enlouquecia
 Queria matar alguém – gritando: “isso é putaria!”
 A alternativa era para o tal de bambuzinho ir
 E depois rezar bastante para o pau não cair
 Melhor era o Novacap, puteiro de luxo em Volta Redonda
 No entanto custava caro pra se tirar essa onda
 As mulheres eram legais e até tinham cheirinho bom
 Chegava-se e comprava-se logo a ficha – era de bom tom
 Certa feita em Novacap vi uma coisa hilária demais –vou contar
 Havia ido com o Martinelli, que tinha a “ferramenta” espetacular
 Quando de sunga aparecia a sua silhueta frontal – que pecado
 Achavam que um rolo de papel higiênico ele havia guardado
 Pois bem, lá em Novacap ele comprou ficha e escolheu
 Uma morena bem linda e no quarto se recolheu
Não passaram nem 5 minutos e a moça saiu gritando
 “Essa é minha ferramenta de trabalho, não vai ficar estragando!”
 Foi-se o primeiro ano e não éramos mais a tal “bicharada”
 As férias foram gostosas, pois já éramos da calourada
 Ao ir pro segundo ano pensei que ia refrescar
 Que esperança vã: peguei o capitão Dinamar!
 Bom teria sido o “Verdinho” e melhor ainda Edgar
 Mas não passou de um sonho – eu estava com azar
 Comandante de pelotão ainda por cima Cupertimo
 Olha, desculpe a sinceridade, mas o cara era um cabotino
 Todo certinho, mas abostado, não aguentava uma corrida
 Mas era mestre em fazer a nossa vida bem sofrida
 O que era mais divertido foi os nossos apelidos
 Mais grossos ou refinados, mas sempre muito divertidos
 Boitatá, bactéria, pentelho, macunaíma, arataquinha
 Feijão, Almeitricha, Leso, Bonca, Tizil, Bidas, Zé galinha
 Anacoluto, Cabeça, Newton Bunda, Ovo, pimpim
 Patinho, ximbica, perereca, camarão e até Cléo pra mim
 Velho Brito, Quixeramobim, Chico bomba, bocão
Boca preta, Paulo peidão , Biafra, Cherry e cabação
 Aí não mais do que de repente o terceiro ano chegou
 “Finalmente estamos na Arma”, a plebe rude exultou
 Mas, quem foi pra Infantaria teve seu sonho frustrado
 Pois o comandante de companhia era cabra muito safado
 Desprovido de caráter era um exemplo acabado de poltrão
 Cometendo injustiças, mentindo e incentivando a delação
 O nome Mota ficará marcado para sempre em nossa memória
Como um exemplo bem acabado do que há de pior na escória
 Certa feita regressando de uma “manda brasa” inopinada
 Um grupo resolveu que era hora de tocar horror na bicharada
 Mas as alas dos bichos estavam fechadas com cadeados e tramelas
Aí tivemos uma ideia: “vamos invadir essa porra pelas janelas”
 Eu fui um deles, confesso. Foi divertido demais ver o Jonas “general”
 Dando esporro na bicharada, bostejando e pagando geral
 Houve um sargento de dia da bicharada que nos dedurou
 E aí comentamos entre nós : “desta vez o bicho pegou!”
 Então o Mota nos falou que queria o numero “só pra controle” do diário
Resultado: vários cadetes que não foram deram numero pra ser solidário
 O tempo foi de passando e achamos que a coisa nada ia dar
 Até chegar a semana santa, o maior licenciamento escolar
 Gaúchos e até aratacas todos com as passagens compradas
 Para ver seus familiares, pois a saudade estava bem apertada
Então chamaram 86 cadetes pra dizer que íamos para o Estado-Maior
Mas a prisão não comportava nos deixaram na ala – menos pior
 O mais indigno de tudo é que escolheram um para desligar
Ao invés de mandar embora um filho de coronel com grande folha corrida
 Mandaram o pobre Bandeira, baiano, cor escura e de família desprovida
 Foi um tiro no pé, pois o outro peixado mais tarde foi desligado
Porque frequentava em Resende festinhas aonde só ia viado
 Mas fomos levando a vida tentando esquecer essas mazelas
 Pois nessa altura muitos estavam comprometidos com donzelas
A gente ia vendo o nosso curso terminar o seu tempo
 E muitos de nós já pensávamos como iria ser nosso casamento
 Aí veio a maior glória –éramos quartanistas, já quase aspirantes
 Virada maior foi a nossa – que éramos os nobres infantes
 Depois de um terceiro ano que nos foi tão cruel e sacana
 Finalmente, no final de nosso curso encontramos o Nirvana
 Nosso comandante de companhia era Ayrton Andrade Ribeiro
 Amigo maior não havia, o “Toreca” era pra todos o primeiro
E o Comandante da Arma também dispensa qualquer palavra
 Pois o Major Domingues em qualquer circunstancia a honrava
 Na véspera do aspirantado o sentimento era algo um tanto dividido
 Alegria por sair oficial, mas nos despedirmos de amigos com coração partido
 Cada um para seu quartel pensando em bem cumprir sua missão
 Mas espalhados pelo Brasil, cada um em diferente guarnição
 Assim, basicamente, correu nosso glorioso tempo de cadete
 Sofremos, mas eu confesso: tenho saudades pra cacete
 Agora, já na contra encosta, nos alegram as fotinhas
 Dos rostinhos dos anjinhos – nossos netinhos e netinhas

Saint-Clair Paes Leme – filósofo de botequim pé-sujo

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