Ivo Salvany - Cav/72
Estou convicto de que um dos
melhores momentos de grande felicidade,
emoção e fruição existencial nesta minha
efêmera vida foi no inesquecível reencontro com velhos camaradas e amigos de
minha querida turma MMM em Fortaleza, queridas, valorosas e saudosas pessoas que
nunca hei de olvidar em meus pensamentos e preces.
Hoje, inspirado pela atual torrente de
profundos, poéticos e filosóficos
textos de meu irmão cósmico e de arma,
Nilo, em particular pelo recente “Uma razão de viver”, quando lamenta e justifica brilhantemente seu atraso à
última reunião no CMPV, resolvi expor
também meus irredutíveis motivos de nunca ter comparecido às reuniões de nossa turma na
AMAN, nem na EsPCEx.
Quando nossa coesa turma se
reuniu na AMAN pela primeira vez em 1982,
pelos 10 anos, não fui. Eu servia bem pertinho, no Rio de Janeiro, no
glorioso Regimento Andrade Neves, no posto de Capitão, logo após cursar a EsAO.
Naquela época, já havia ido à AMAN por várias vezes, a
serviço ou por competições, desde o
tempo que servira por 3 anos como
Aspira/Tenente no valoroso 3ºRCC ( Ferro
& Aço! Fogo & Balaço!), lá no velho Realengo.
Isto porque, infalivelmente, todas às vezes que cruzei o portão monumental
da AMAN senti-me desconfortável, ansioso, inquieto, perturbado
e louco para sair dos limites acadêmicos. Com certeza,
pela teoria freudiana, explica-se estes
óbvios sintomas neurastênicos,
normalmente frutos de manifesto trauma psíquico, tipo neurose de guerra.
Assim, no passar dos anos, auxiliado por Freud, firmei convicção de que muitos jovens, como eu, que passaram por severos internatos tipo
ExPCEx e AMAN carregam para sempre traumas psíquicos resistentes e dolorosos, advindos do
permanente tratamento frio, distante,
ríspido e impessoal de seus instrutores e comandantes, num momento
difícil de rompimento do cordão umbilical amoroso desses jovens com seus pais e familiares. Muitos, não suportando
o terrível afastamento familiar, pedem para sair. Outros, por não aguentarem o
cruciante e sagrado ritual de passagem do estado mental civil para o militar. Se não me engano, dos
170 que entraram na EsPCEx em 1966, apenas 60 superaram as agruras, asperezas, a carência
afetiva e ousaram prosseguir na
desafiadora formação castrense na AMAN.
Sem dúvidas, no instante que todos aqueles tenazes 60 preposos cruzaram o portão monumental da AMAN, em
1969, já haviam se convertido em autênticos militares de têmpera de aço,
soldados na plenitude e guerreiros ad
aeternun.
Na AMAN, novo choque existencial, novo trauma
libidinal familiar, novo ritual de passagem radical, onde diferentes jovens de
diversas origens, maturidade e formação são indistintamente jogados na vala
comum de abjetos “ bichos”. Foi um cruel tratamento igual para os claramente
desiguais, que chocou profundamente aos
veteranos guerreiros preposos , bem como aos já formados militares oficiais e graduados
temporários, todos rebaixados a
desprezível posição de “bichos Cadetes”, os maltratados párias da
AMAN. Então, naquele momento impactante, muitos pediram para sair.
O trauma psíquico prossegue e avulta, somatizando-se para sempre nos
corpos e mentes dos jovens Cadetes, inconscientemente, enquanto são formatados duramente durante os
quatro anos acadêmicos sob constante
pressão disciplinar; tratamento áspero;
patrulhamento comportamental; punições
em profusão; mijadas a todo instante;
ameaças de reprovação; frieza e
excessivo rigor dos instrutores; confinamento
massacrante; dor da saudade; vazio existencial; o silêncio das alamedas, e a frieza dos
mármores como companhia nos fins de semana dos laranjeiras. Havia,
perceptivelmente, sempre no ar uma temível espada afiada de Dâmocles sobre jovens cabeças conflitadas.
Por estas e outras impagáveis más lembranças, prezados amigos e camaradas,
agora cônscios de minha assumida,
insana e maldita neurose acadêmica,
peço-lhes vênia e compaixão por me abster de pisar novamente naquele tenebroso sítio. Para mim,
absolutamente mal são, um ambiente pesado, permeado de fluídos negativos, espaço
de tristes lembranças, pleno de desamor, perdas, mortes precoces, dores infindas, suor e lágrimas de sangue,
mágoas, frustrações e ressentimentos.
Definitivamente, AMAN é o poço de meus ais, dos meus piores tormentos
existenciais, insuportável castelo dos meus horrores e cruel bastilha de meu corpo, alma e espírito.
Afirmo que nem pela catarse, já
tentada, consegui me curar dessa maldita neurose.
Definitivamente, para mim, a AMAN não é um
portal sagrado como a Praia Vermelha,
Praia dos Anjos, Jericoacoara, Futuro ou
de Iracema, sítios onde pude e ainda posso me encontrar com meu Deus interior e
a paz espiritual, e comungar da raríssima
amizade incondicional com meus eternos e verdadeiros amigos, e sinceros camaradas irmãos d’armas.
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