domingo, 24 de junho de 2012

BAIXAS NA INSTRUÇÃO DA AMAN, O FATOR HUMANO.

Tenho recebido reiteradas mensagens a respeito de Termo de Ajuste celebrado entre o Estado Brasileiro e a Corte de Direitos Humanos da OEA, determinando colocação de placa na AMAN para registro nominal de cadete falecido em atividade de instrução, acompanhadas críticas acerbas, sobretudo quanto à ingerência alienígena atentatória à nossa soberania.
A legitimidade e abrangência do Judiciário, na plenitude suas destinações constitucionais, expressa conjuntura interna de indiscutível normalidade para dirimir contenciosos segundo a legislação processual brasileira, dispensando-se justificativa plausível de recurso à arbitragem externa, demeritória de pressupostos essenciais da cidadania quando estabelece o aviltamento internacional de instituições basilares do chamado ordenamento democrático. Acrescido o fato de o processo motivador do mencionado Termo ter transitado em julgado no Brasil, com exaustiva apreciação de seus desdobramentos legais, incluindo efetivação de direitos, a sentença da OEA, visivelmente ideologizada, denota abe rração jurídica cuja finalidade precípua aparenta ser a de denegrir o Exército. Empregando o disfarce da reparação humanitária, magistrados capciosos recendem ressentimentos e preconceitos ancorados em inequívoca matriz político-ideológica.
Do episódio, lições devem ser extraídas. Sob o olhar da maturidade profissional, a morte de um companheiro de farda, especialmente de forma trágica, provoca sentimento de irreparável luto e tristeza. Na AMAN, onde amizade e companheirismo são corolários naturais da intensa e integradora rotina escolar, a perda de um colega se compara à de ente familiar querido, transformada em dolorosa lembrança que jamais a memória dilui. Reverbera para sempre, sendo apenas suscetível de compreensão integral aos que algum dia foram cadetes, vivenciando as alegrias, tristezas e conquistas de uma juventude marcada pela superação de enormes desafios. Na convivência diária das salas de aula, dos exercícios no terreno, dos parques e das pequenas distrações, são forjados liames amistosos indestrutíveis; o desaparecimento de qualquer integrante dessa comunidade peculiar, ainda mais se no decorrer do curso de formação, representa choque emocional que a todos abala, deixando sequelas nos corações e mentes infinitamente superiores ao simbolismo de eventuais registros materiais. A saudade, o respeito e a estima dos companheiros expressam a mais legítima e duradoura homenagem aos que sofreram o infortúnio do óbito precoce.
Dos riscos intrínsecos à carreira até fatores imponderáveis, por vezes agentes de fatalidades, percebe-se amplo leque de possibilidades passível de enquadrar as causas de acidentes graves em atividades militares. Sejam humanas, materiais ou de natureza diversa cabe identificá-las e analisá-las à exaustão, produzindo atitudes corretivas que lhes bloqueiem a reincidência nefasta; para isso, no mínimo, as conclusões das investigações de acidentes com baixas humanas deveriam ser disseminadas junto ao público interno e aproveitadas no sentido de realimentar o conteúdo de manuais, diretrizes e normas instrucionais. Sou de opinião que preservada a p rivacidade de determinados aspectos, se assim imprescindível, utilizar o método pedagógico de estudos de casos, além de potencializar absorção de valiosos ensinamentos, conferiria melhor percepção de realidade ao imperativo da segurança. Aguçar o conhecimento das origens de acidentes visando a eliminá-los requer sistematização de procedimentos, em que propagar lições aprendidas aos diferentes níveis hierárquicos, dinamizar a extensa rede de instrumentos e meios de comunicação disponível, atribuir rigor máximo à obediência de preceitos normativos, e sobretudo aumentar a conscientização sobre as responsabilidades individuais de caráter preventivo devem ascender a metas prioritárias.
Educar, prevenir, analisar, corrigir, responsabilizar, eis alguns verbos capazes de orientar a operacionalização de iniciativas contra a perda de vidas humanas em serviço, ocorrência anormal e indesejada. À afirmação óbvia de que medidas posteriores aos acontecimentos infaustos não ressuscitarão os vitimados, nem diminuirão a consternação de pais, familiares, amigos e pessoas próximas, agrega-se a constatação de eximir-se da tradição de nossas Escolas e Unidades, pelo menos de modo sistemático, a exposição de registros visíveis sobre falecidos em atividades da OM. E aqui enfatizo proposta digna de atenção, particularmente nas escolas m ilitares: coloquem-se marcos evocativos aos mortos em tais circunstâncias, seja mediante placas, designação de logradouros, dependências ou instalações apropriadas, o que aliás careceria de ineditismo na esfera das Forças Armadas, observada por exemplo a antiga existência, na Academia da Força Aérea Brasileira, de memorial aos cadetes obituados na instrução de vôo.
Objeções certamente hão de surgir, que imagino do tipo – e se a vítima provocou o acidente fatal ?... - e se foi imperita, imprudente e negligente?... - e nas hipóteses de suicídio, ou motivação criminosa?...
A estes argumentos, embora lógicos e pertinentes, além de correlatos a serem acrescidos, julgo sobrepor-se a razão dramática e definitiva do sacrifício de jovens em sua quase totalidade, cujas mortes traduzem infindável martírio aos pais e parentes próximos, gerando consequências desastrosas, indeléveis e abrangentes. Sobreleva o fator humano, diante do qual todos os demais apequenam-se e tornam-se subalternos, cabendo à Instituição dimensioná-lo a favor da justiça em patamar de insuperável importância. Afinal, nenhum pai ou mãe, em sã consciência presume que filho seu venha a falecer no curso de qualquer atividade no interior de uma respeitável escola militar, em especial na AMAN. A meu ver, desconsiderados os fatores determinantes dos acidentes e suas consequências, a perpetuação dos nomes das vítimas nas instalações escolares simbolizaria justa homenagem e lembrança enfática das precauções de segurança no ambiente dos quartéis.
Evidências insofismáveis descaracterizam o aludido Termo de Ajuste como instrumento de justiça isento e fidedigno. Respeitada inquestionável e imperecível dor, até mesmo compreendida a revolta de representantes do falecido cadete, o processo enveredou por caminhos alheios aos ditames exclusivamente jurídicos, vindo a oportunizar interesses político-ideológicos de notória extração. Em contrapartida, julgo que o assunto deva merecer reflexão institucional a propósito da materialização de preito evocativo aos cadetes falecidos durante o curso da AMAN, em atos de serviço; a medida, se efetivada, corresponderia a gesto de grandeza, desarmando espíritos para o melhor esclarecimento de fat os muitas vezes controversos, ressaltando, da Instituição, o respeito eterno por jovens cujas vidas e aspirações foram bruscamente interrompidas.
Certamente a programação dos 40 anos de oficialato da Tu MMM 72 reserva espaço aos nossos companheiros falecidos na Academia. Encaminho à Comissão Organizadora a sugestão de que submeta ao Comando da AMAN o plantio de árvores, aposição de placa, designação de locais ou qualquer outra providência materializadora da reverência eterna da Turma àqueles saudosos amigos tombados no cumprimento de suas obrigações militares. Assim, talvez possamos contribuir para a implantação de uma tradição mais cordial, capaz de melhor alertar às novas gerações de instrutores, monitores e cadetes o quanto são responsáveis pela eliminação de acidentes fatais na instrução, um lamentável desperdício de vidas.

Rio, 23 de junho de 2012
Cadete Cav 1039/72, Nilo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário