Associados e não excludentes, analisem-se os
desígnios do coração e da mente, pois sempre persistirá diminuto resíduo
racional nas relações afetivas, mesmo nas paixões acaloradas e avassaladoras,
expondo lógica invisível difícil de ser equacionada. E vice-versa, nas questões
onde a razão transparece a preponderar, soberana. Se Pascal não tivesse sucumbido
ao estudo de questões metafísicas, no trecho final de sua fulgurantemente curta
existência, talvez a frase inaugural destas considerações jamais tivesse sido
proferida.
Neste 2012, dedicado a justos festejos pelas
quatro décadas de oficialato da gloriosa Turma Marechal Mascarenhas de Moraes,
pressente-se indisfarçável conjunção astral propícia a satisfazer quimeras e
sonhos, antes nunca visível. Cito exemplo próprio. Desde a irrupção do ano,
impulsionado por súbita e indizível compulsão redacional, ouso difundir aos
confrades maus poemetos, reles ensaios, banais croniquetas e discutíveis
artigos de vasta miscelânea temática, habitualmente apreciada pela maioria sob
ótica de generosa benevolência e até de incentivo a novas estripulias, que
admito em circunstâncias outras impossíveis de serem imaginadas, ou digeridas.
Os indícios são veementes. Além dos
tradicionais, intensifica-se o surgimento, ou reativação de núcleos
associativos na imensidão do País, embalados no mote genial “onde houver ½
cadete de 72, lá estará o espírito da Turma”. O sítio eletrônico www.tummm72.com.br,
alçou vôo solo a altitudes estratosféricas, consolidou-se como portal de
notícias, intercâmbio de informações e contatos no universo da Nação 72, dando
margem a retomar-se amizades de longa data apartadas. Há dias, ao questionar a
reiterada ausência de confrade às assembleias aqui no Rio, embora trabalhe no
entorno da Praia Vermelha, justificou-se ele de imediato assegurando que “nos
encontraremos em Resende, no fim do ano”. Quer dizer, o companheiro esnoba, ou
não consegue adentrar o CMPV, mas sem dúvida comparecerá ao PTM em dezembro,
sobretudo, digo eu, encantado pela magia insuperável da casa-matriz de nossos
sonhos da juventude: a Academia Militar das Agulhas Negras.
E exatamente à nossa estimada AMAN dedico este
arroubo textual despretensioso e sincero. Meca de peregrinações periódicas,
mesmo daqueles que por uma simples jornada nela abrigaram nobres ideais da
juventude, exerce sobre os especiais rebentos de suas gerações e turmas
fascínio singular, revitalizado em cada retorno ao santuário indestrutível.
Nada há que supere nos corações de seus ex-inquilinos a emoção de reencontrá-la,
na revivência de expectativas felizes marcadas pelo convívio fraterno de amigos
ali para sempre conquistados. Julgo, portanto razoável esteja a aproximação do
16 de dezembro a provocar peculiar taquicardia na Turma, principalmente
motivada por lembranças recorrentes e tudo nelas simbolizado. No entanto, a
Academia, uma de nossas lídimas razões do coração, também nos consagra afetos
derivados da razão. Ao refletir, intento externar alguns deles.
A criação da AMAN, é sabido, teve fulcro no
idealismo, devotamento missionário e visão estratégica de ser humano formidável:
o Marechal José Pessôa Cavalcanti de Albuquerque. Sem ele, seu pioneirismo,
liderança e amor ao Exército, a história da formação dos oficiais da Força
Terrestre, no século XX, possívelmente seria mais acanhada e desprovida do
ideário de grandeza já notório na monumentalidade arquitetônica da escola
militar de Agulhas Negras; para melhor dissecar-lhe as origens, indispensável
se torna a leitura de obra recentemente reeditada pela BibliEx, Marechal José
Pessôa, a Força de Um Ideal, clássico militar de historiador renomado, o
Coronel Hiram de Freitas Câmara.
A Academia, em sua gênese, expressa afinidade
inquebrantável com a destinação análoga de suas antecessoras, desde a fundadora
Real Academia de Artilharia, Fortificações e Desenho, sediada na Casa do Trem
de Artilharia, no final do século XVIII, até a de anterior proximidade, a
Escola Militar do Realengo; a esta, deve as turmas iniciais de cadetes,
tradições, costumes e, acima de tudo, a própria razão de existir, nas formulações
e ações desbravadoras do comandante da Escola, entre 1931 e 1934, o então coronel
José Pessôa. De fato, numa sucessão de inovações de pronto consolidadas,
típicas do caráter empreendedor de personalidade ímpar, o brilhante oficial de
Cavalaria delineou a futura Academia na Escola do Campo de Marte do subúrbio
carioca.
Revalorizou o título de cadete, marginalizado
por intensa pregação positivista dominante no alvorecer da era republicana,
acusando-o de aristocrático. Deu vida ao Corpo de Cadetes; renovou os processos
de admissão, recrutamento, matrícula e as grades curriculares; modernizou as
instalações, incluindo a construção de novo estádio, cassinos e refeitórios
compatíveis com a dignificação social dos futuros chefes castrense; recriou os
uniformes; criou o brasão das armas e o símbolo-mór do cadete e da Honra
Militar: o Espadim de Caxias. Estas e tantas outras iniciativas subsidiavam a
meta de se forjar nova mentalidade na formação dos quadros dirigentes do
Exército, afinada com a atmosfera reformadora da recém-nomeada Segu nda
República. Assim como exercera papel relevante na introdução dos blindados na
Força Terrestre, e décadas adiante exerceria no planejamento da construção de
Brasília, o incansável coronel Pessôa seria o grande impulsionador do despontar
da AMAN a partir do autêntico laboratório em que, sob seu comando, a Escola
Militar do Realengo se transformara.
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Idealizado na essência, intramuros do Realengo,
o Cadete de Caxias viria corporificar-se na plenitude em Resende. Nas conexões
afetivas de outra realidade sócio-escolar e nas razões objetivas do coração,
diante de ambiência física sedutora e deslumbrante. Sobreviveriam os
laranjeiras, atrelados à Academia como a fragrância onipresente das laranjeiras
fincadas no solo de Realengo; de igual sorte os percevejos, pregados nas camas
dos alojamentos até nas férias e dias de folga, elos de transição singela com a
antiga Escola, sob novo cenário. Recorrendo a Pascal, há momentos em que as
razões do coração irremediavelmente se submetem aos ditames da razão em si
mesma.
Estreitar o conhecimento da AMAN, suas raízes,
antecedentes históricos e atualidade, colabora para reforçar os pilares da
razão perante a fortaleza inexpugnável da nossa profunda afeição. Contribui
para melhor compreender o dinamismo extraordinário de um Soldado na superior
acepção da palavra, o Marechal José Pessôa Cavalcanti de Albuquerque, que legou
aos cadetes das gerações vindouras o ensinamento maior da força de um ideal, ao
qual devem especial devoção e que, quarenta anos depois ainda emociona e faz cada
eterno cadete da Turma Marechal Mascarenhas de Moraes bradar, a plenos pulmões:
Quarenta Anos, Presente!!!
Rio, 26 de maio de 2012.
Cadete 1039, Nilo, de Cavalaria e Aspirante da Turma de 1972.