quinta-feira, 24 de maio de 2012

PRETO, RACISTA, MACHISTA, COTISTA ...e chato.com

Longe vão os meus tempos de internauta bissexto. Depois que aderi à rotina de acesso à web descobri o quanto a vida pode oferecer de belas surpresas, inimagináveis a cerébros desprovidos de intelecto superior, como o deste rabugento provecto. Da cega indiferença ao entusiasmo incontido ignorei etapas, logo tornando-me usuário vibrante da rede e cultor de suas infinitas possibilidades de achegar-se da sabedoria plena, via democratização do conhecimento.
A paixão estonteante, sublime fase inaugural do amor, envolveu descobertas maravilhosas. Seduziam-me os títulos das mensagens recebidas, premonitórios de revelações aptas a produzirem enorme frisson na psique do neófito atarantado. Encantado com as promissoras verdades dignas de absorção, corria a abrir vastíssima sucessão de e-mail, prenhe de curiosidade. Mesmo assim, malgrado prisioneiro de atração mórbida, escorava-me nos valores puritanos de vetusta formação cavalariano-cruzmaltina e, de antemão, deletava apenas indicações de baixo erotismo e de vulgaridades cruentas sobre o Gigante da Colina. Temas outros eram bem-vindos e propiciariam inegável ajuda ao meu engrandecimenrto pess oal, tal qual mostrarei no prosseguimento.
Como é Feito o Papel Higiênico que Importamos da China; O Casamento Minnie-Pateta; Namoro com o Mecânico; Café da Manhã; Um Homem Deve Usar Brinco?; Papel Alumínio: Dez Maneiras de Usar; Conexão da Inverdade; Nova Tabela: Será Verdade?; Nota de Esclarecimento Programa de TV; Rico Também Anda de Ônibus; Porque Prefiro os Cachorros aos Gatos; A Rainha dos Baixinhos ... na Putaria; Pense em um Sacana; A Mordida do Mineirinho; Pensamento Sexual do Dia; Laudo de Conjunção Carnal em SP e Orgasmograma...Colossal!!!, perfazem amostra de mensagens recentemente postadas em minha caixa postal. Evidentemente que as seis derradeiras listadas, coerente com os princípios antes mencionados tiveram de imediato o rumo da lixeira; aqui só as extern o sob o propósito singular de evidenciar a extensa pluralidade da temática abordada. E nada mais, juro.
A cada título exposto, correspondia peculiar reação deste ingênuo primata. Como é Feito o Papel Higiênico..., por exemplo, ainda está a inspirar-me séria análise geopolítica sobre o teor das relações bilaterais sino-brasileiras. Jamais suspeitei estivesse em nível tão estreito, e que a cultura daquele país asiático pudesse adentrar com tamanha facilidade e voluntarismo a intimidade de milhões de conterrâneos; Um Homem Deve Usar Brincos? e Papel Alumínio: Dez Maneiras de Usar, deflagraram-me graves questionamentos existenciais, enquanto Nova Tabela: Será Verdade? causou mergulho abissal no domínio das pulsões primárias, o Id freudiano de instintos e sonhos irrealizados perante o Superego controlador. São meras ilustrações pinçadas de amplo universo, porém representativas de quanto a familiaridade com a rede viria a influenciar este ser decrépito, adequando-o aos tempos modernos.
Além do caráter pedagógico nelas veiculado, as principais matérias enviadas coincidem num aspecto: a reiteração abusiva, parecendo haver perverso conluio dos remetentes para ensandecer este destinatário. As de conotação sexual são repetidas ad nauseam e dispenso-me comentá-las; numa única jornada, recebi nove Notas de Esclarecimento de Programa de TV, sete de Rico Também Anda de Ônibus e seis de Porque Prefiro os Cachorros aos Gatos, isso sem computar demais remessas esparsas em diferentes datas. Durma-se com um bombardeio desses, autêntica eficácia de exocets virtuais. Até aí entretanto imperava relativa calmaria, se comparado ao que estava a acontecer.
Quase a submergir na enxurrada de mensagens, levo jab, sou nocauteado e, cambaleante, reerguido para divisar o seguinte título: “ Nem Negro, nem Índio, nem Viado, nem Assaltante, nem Guerrilheiro, nem Invasor. Como Faço?. Pauleira hard, pura Klu Klux Klan cabocla século XXI, ainda atordoado, visão turva com o gentilíssimo chamamento da matéria, tento identificar o remetente: trata-se de estimado confrade da Arma Ligeira. Menos mal, penso, atenuante primária. Abro o e-mail e nova surpresa ao me deparar com o título original: Sou Branco, Honesto, Contribuinte, Eleitor, Hetero...Para Quê?, da lavra de renomado tributarista. Constatação óbvia: o meu fraterno perissodáctilo, no adotar o artifício da negação enfatizante, de moto próprio elevou o tom da indignação do tal jurista ariano aos píncaros da delicadeza absoluta. Qualé, Dom AT, linha do tempo Alabama-Nikiti ?
Evitarei adentrar o mérito das considerações de Sou branco... ou Nem negro..., pois suscitariam réplica demasiado longa; o que move meus comentários são observações amparadas a partir da avalanche de mensagens iguais que se seguiram à do notável arianófilo das baias. Até hoje, mais de dezena, a confundir as pobres percepções antroposociológicas deste asno sobre a verdadeira identidade racial da população brasileira, levando-me às conclusões subsequentes:
1. A maioria da população tupiniquim é de ascendência nórdica, similar ou assim se reconhece. Reafirmo, desse modo, minha condição sempiterna e próxima à extinção de pelagem sete, portanto integrante de minoria excluída;
2. Não sendo branco, índio, amarelo, moreninho ou negro de alma branca, e sofrendo invectivas virtuais do tipo de Nem negro..., acabo de fundar grupo quilombola combatente para defender-me de tais ataques e lutar pela sobrevivência da negritude em nossas plagas, diante do que, contrariado, sou compulsado a vestir a pele de racista oprimido;
3. Criado à beira do Turano nos anos 60, sem as chiques UPP atuais, depois engajado nos ritos da nobre Cavalaria, julgo dispensável reafirmar minha natureza congênita de machista irretratável;
4. Sendo preto, racista e machista, assim triplamente excluído nos idos correntes, julgo merecer o beneplácito da inclusão no rol das cotas, seja lá para o que e onde elas forem aplicáveis;
5. Alerto o esmagador contingente de arianos, nórdicos e escandinavos integrantes da turba pátria já dispor este exótico espécime racial de armamento dissuasor, em face transgressores da minha cota de tolerância internáutica. Trata-se do vil poema Neguinho, doce antídoto contra os e-mail de conteúdos acacianos, repetitivos ou redundantes; revelo que dois correspondentes diletos já foram agraciados com os versos torpes do opúsculo, no qual pretendi ser tão ou mais chato do que eles tem sido comigo.
Agradeço ao gentil repassador de Sou branco..., reintitulado Nem negro..., pois sem a sua providencial mensagem estaria ainda a incorrer na indesculpável suposição de ser a composição racial da nacionalidade majoritariamente negra, mulata, ou parda. Agora, ciente de que somos um país de ascendência com predominância ariana, assumo ser crescentemente minoria.
Alfim, reitero o significado de Neguinho, o poema. Aos contemplados com o recebimento dos versos nefandos, saibam estou a exprimir reação iracunda diante do conteúdo de mensagens deles exaradas a minha humilde caixa postal; se a curiosidade não os impedir, poderão a um simples clique do mouse deletá-lo já na leitura do título, assim como a este Preto, Racista, Machista, Cotista ...e chato.com.
Dom Obá III, internauta étnico desiludido, em franca desaceleração da web.
Rio, 19 de maio de 2012

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